LÚCIO NOEMAN
Nasceu no Rio de
Janeiro em 1913. Tinha curso primário incompleto. Trabalhou durante seis anos
em uma papelaria. Posteriormente, fez-se vendedor ambulante de gravatas e
perfumes. Dotado de grande habilidade, fazia, por prazer, trabalhos em madeira
que surpreenderam a família. Nunca estudou desenho nem modelagem.
Em 1948 é encaminhado ao Serviço de Terapêutica Ocupacional, oficina de
encardenação, onde, apesar de já conhecer algo do ofício, não se interessou
pela atividade. Pediu para frequentar a seção de modelagem. Trabalhava com
visível prazer, ficando durante horas absorvido na moldagem do barro. Produziu
obras de notável qualidade artística, algumas das quais apresentadas em
exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo em outubro de 1949, selecionadas
pelo seu diretor Leon Degand e pelo crítico de arte Mário Pedrosa.
Lúcio encontrara na modelagem a
oportunidade para dar forma às emoções que o avassalavam, representadas por
guerreiros empenhados numa luta de dimensões mitológicas.
Mas apesar de algumas melhoras em seu
comportamento, do reconhecimento da alta qualidade de suas modelagens, o médico
psiquiatra responsável por Lúcio, com o apoio da família, decidiu recorrer à
psicocirurgia, tratamento muito preconizado na época e ainda hoje realizado. Inutilmente
a Dra. Nise tentou evitar esse desastre, chegando a dizer ao colega que havia
indicado a cirurgia: "Vocês vão decapitar um artista".
As obras de Lúcio achavam-se ainda na
exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo quando ele foi submetido à
lobotomia.
Ao contrário das obras anteriores à
operação, nestas estão ausentes a tensão afetiva e o meticuloso tratamento
técnico. Estava atingido o primeiro objetivo visado pelos partidários da
lobotomia: separar o pensamento de suas ressonâncias emocionais.
Entretanto, a
invulgar capacidade de criar formas reveladas por Lúcio leva-nos a admitir,
diante desses trabalhos, que uma catastrófica regressão ocorreu. Trazem eles as
marcas do déficit, características das alterações orgânicas do cérebro: pobreza
imaginativa, puerilidade de concepção, inabilidade de execução.
O combate entre o
bem e o mal, após essa intervenção cirúrgica, foi reduzido, segundo suas
próprias palavras, a uma luta entre gato e rato.
Trinta e dois anos
mais tarde, houve nova oportunidade de trazer Lúcio ao ateliê de modelagem. Ele
mostrou muito pouco interesse em trabalhar o barro que tinha diante de si.
Apático, pedia constantemente para voltar ao leito da enfermaria. Solicitado
com insistente cordialidade, moldou lentamente algumas disformes, terríveis
carrancas.
A psicocirurgia em
Lúcio não trouxe melhoras em seus contatos ou atividades sociais, anulando
completamente sua capacidade criadora.